Entrevista com a Especialista: A embriologista Raquel Alvarenga esclarece todas as suas dúvidas sobre o congelamento de gametas
O que é o congelamento de gametas?
É a criopreservação, dos óvulos e dos espermatozóides, em nitrogênio líquido, à temperatura de -196°C. Numa temperatura tão baixa, estas células ficam preservadas vivas, com seu metabolismo totalmente suspenso, por longos períodos, que pode alcançar décadas.
Como o congelamento é feito? Existem diferenças entre congelamento de óvulos e espermatozóides?
Existem várias técnicas de congelamento. Cada técnica é adequada a um tipo de célula.
O congelamento de espermatozóides é feito no vapor do nitrogênio líquido, podendo também ser realizado na superfície de um bloco de gelo seco. Espermatozóide em pequenas quantidades podem ser congelados em pequenas pílulas, e até dentro do envoltório (a zona pelúcida) de um óvulo.
Os óvulos maduros já são mais sensíveis e não congelam tão bem e tão facilmente quanto os espermatozóides. A disposição dos seus cromossomas fora de uma membrana nuclear os torna muito vulneráveis aos processos de congelamento e descongelamento.
Só recentemente, com o desenvolvimento de uma técnica conhecida como vitrificação, é que os resultados têm melhorado e melhores taxas de sobrevivência são observadas. No processo de vitrificação, o meio contendo os óvulos se congela num estado amorfo, e não forma cristais intracelulares prejudiciais como no congelamento comum.
Uma outra opção é o congelamento de fragmentos de ovário, especialmente da córtex ovariana, que contém grandes quantidades de óvulos imaturos. Estes fragmentos podem ser recolocados quando se deseja uma gestação. No futuro, estes óvulos imaturos podem ser cultivados no laboratório para amadurecerem e ser fertilizados in vitro.Os fragmentos de ovários são congelados com o auxílio de uma máquina especial, que abaixa a temperatura gradualmente, até -40°C.
Qual é a estrutura necessária para esse congelamento?
Congelar sêmen não é um procedimento complicado, e não exige aparato muito complexo. É necessário nitrogênio líquido, bujão para armazenamento, pequenos tubos, hastes de metal especiais, para o acondicionamento.
O profissional responsável pelo processo é o embriologista, que deve conhecer a técnica, os protocolos e as soluções indicadas para o procedimento.
O paciente que fornece o sêmen para o congelamento deve realizar uma série de exames no sangue e no sêmen, para descartar a possibilidade de doenças transmissíveis como AIDS, hepatite, sífilis, gonorréia, etc.
O congelamento de embriões pode ser feito por vitrificação, sem o uso de nenhum aparelho especial, mas os melhores resultados (>95% de sobrevivência) são observados quando se congela em um freezer programável, que, através de um microprocessador abaixa lentamente a temperatura, até que seja possível o armazenamento diretamente no nitrogênio líquido.
Todos os gametas congelados podem ser fertilizados?
Se, após o descongelamento, ele apresentar sua membrana celular íntegra, citoplasma brilhante e claro, significa que ele sobreviveu e pode ser fertilizado. Os óvulos, após o descongelamento, devem ser fertilizados utilizando-se a técnica de ICSI (Injeção Intracitoplasmática de Espermatozóides), pois o congelamento pode acarretar num endurecimento da zona pelúcida e numa reação cortical anormal, aumentando a chance da penetração de mais de um espermatozóide, ou a falha de fertilização. A ICSI garante a fertilização por um único espermatozóide.
Existem garantias ou até que ponto uma gravidez pode acontecer com gametas congelados?
Se os gametas sobrevivem ao congelamento, e alguns cuidados são tomados, como a realização da ICSI, a chance da gravidez é semelhante á chance com gametas a fresco (não congelados).
O congelamento pode ser utilizado em quais situações?
O congelamento de espermatozóides é indicado em casos de quimioterapia e radioterapia pois estes tratamentos podem destruir as espermatogônias, células que dão origem aos espermatozóides, ocasionando, iatrogênicamente, a esterilidade.
O congelamento é também indicado antes da realização da vasectomia, pois em caso de arrependimento, o homem pode ainda ter filhos com o sêmen que foi congelado.
Durante o tratamento de infertilidade, o sêmen pode ser congelado no caso do marido estar, por exemplo, viajando no dia do procedimento de inseminação de sua esposa.
Alguns homens, que tem dificuldade de colher sêmen, podem congelar seu material dias antes do procedimento, para garantir a amostra no dia da inseminação ou fertilização in vitro.
Mulheres jovens devem congelar seus óvulos ou tecido ovariano, antes da quimioterapia ou radioterapia. Estes procedimentos podem acarretar numa destruição dos óvulos no ovário, acarretando em infertilidade ou até mesmo menopausa precoce.
Mulheres que desejam adiar a maternidade podem congelar seus óvulos como garantia para o futuro.
No entanto, deve-se ressaltar que o congelamento é viável para um número limitado de óvulos, não sendo possível garantir que estes óvulos serão em número e qualidade suficiente para a obtenção de uma gestação a termo.
Também devo ressaltar que após os 35 anos de idade os óvulos de uma mulher entram num processo inexorável de deterioração, que culmina na menopausa. Somente óvulos de mulheres abaixo desta idade tem uma maior probabilidade de sobrevivência após o descongelamento.
A fertilidade da mulher que recebeu quimioterapia para tratamento de câncer pode ser preservada através do congelamento de tecido ovariano?
O congelamento dos óvulos ou tecido ovariano deve ser realizado antes da quimioterapia. Após a quimioterapia estas células tem uma grande chance de já terem sido irremediavelmente danificadas.
O processo de congelamento de gametas é semelhante ao congelamento de embriões?
Como já falei anteriormente, cada gameta; assim como cada embrião em diferentes fases, são congelados através de técnicas, aparelhos e soluções completamente diferentes.
Quando optar pelo congelamento de gametas ou preferir o congelamento de embriões?
O congelamento de embriões é um procedimento mais complexo, pois exige a superovulação da mulher através de medicamentos, a realização da captação dos óvulos e da fertilização in vitro.
Os embriões tem ainda de ser cultivados antes de serem congelados.
O problemas éticos são maiores quando se congela embriões, pois a rigor já são novos seres humanos que foram formados, devendo ser tratados e respeitados como tal. Os embriões não podem ser descartados ou destruídos, o que acarreta em situações mais graves quando abandonados na clínica.
O congelamento de espermatozóides é geralmente bem mais simples, podendo ser realizado sem nenhum preparo anterior, além de todo o procedimento ter um custo bem mais baixo. O sêmen congelado pode também ser descartado sem maiores problemas, pois não há leis ou regulamentações que proíbam este descarte.
O melhor profissional para decidir qual o processo mais adequado é o médico do casal, que avaliando todos os fatos de cada caso, irá indicar o melhor procedimento para a situação.
O Cegonha oferece estes serviços?
O Cegonha Medicina Reprodutiva é pioneiro no Brasil nas técnicas de congelamento. As primeiras crianças concebidas após descongelamento de embriões nasceram em 1996, já tendo, portanto, mais de 20 anos de idade e desenvolvimento completamente normal. Já realizamos centenas de procedimentos de criopreservação de embriões, óvulos, tecido ovariano e espermatozóides. Em 2008, obtivemos a primeira gestação com a vitrificação de ovócitos. O Cegonha, como centro de tratamento de infertilidade que tem como lema a ética, a qualidade, o respeito e a tradição, sempre acompanha os maiores avanços na Tecnologia de Reprodução Assistida, através da ida aos principais congressos e cursos nacionais e internacionais.
Para concluir, não posso deixar de citar Bolzan:
A Reprodução Assistida serve à dignidade do homem ou conspira para a desumanização? É que em tudo isto está em jogo nada mais, nada menos, do que a vida humana – que não é em absoluto um objeto de uso e desuso – cujo valor e dignidade jamais deveriam ser ignorados por ninguém. Deve compreender-se, além disso, que nem todo modo de chegar à geração humana é digno da pessoa. O ser humano (seja como zigoto, embrião, feto, criança ou adulto) não é um “produto” de laboratório, e, por conseguinte, jamais deve ser tratado como se o fosse.